top of page
  • Renato Augusto de Carvalho Nogueira

PREVENT SENIOR E O KIT COVID – ASPECTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Na CPI da covid, a Prevent Senior está sendo acusada, dentre outros atos ilícitos, como alterar o CID de pacientes falecidos e de promover tratamentos experimentais sem o consentimento dos pacientes, de ter pressionado profissionais e pacientes a utilizar remédios do kit covid (que inclui a hidroxicloroquina).[1]


Do ponto de vista dos beneficiários da Prevent Senior que foram atendidos pelos hospitais credenciados da referida operadora, pode esta ser responsabilizada na esfera cível pela prescrição em massa do kit covid, mais especificamente da hidroxicloroquina?


Independentemente do que for apurado na CPI da covid, é possível visualizar alguns cenários em que a operadora pode ser responsabilizada a indenizar os beneficiários.


Prescrição de hidroxicloroquina


O Parecer CFM nº 4/2020, trata do uso da cloroquina e hidroxicloroquina, em condições excepcionais, para o tratamento da covid, e dos requisitos a serem observados na sua prescrição:[2]


- fica ao critério do médico assistente;


- precisa ser em decisão compartilhada após informar o paciente sobre os efeitos colaterais, riscos e sobre a inexistência de comprovação de eficácia desses medicamentos para a covid;


- é necessário o consentimento livre e esclarecido do paciente ou dos seus familiares, que se dá por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (o Termo de Consentimento é de suma importância, inclusive porque se trata de uso de medicamento off label, ou seja, receitado para tratar uma patologia distinta daquela para o qual foi registrado na ANVISA).


Estes são os requisitos que o médico deve seguir para não cometer infração ética ao prescrever a hidroxicloroquina.


Da responsabilidade civil pela prescrição da hidroxicloroquina


Feito este esclarecimento inicial, traçamos alguns cenários em que a operadora de plano de saúde pode ser responsabilizada em ações indenizatórias na esfera cível que venham a ser propostas por beneficiários ou seus familiares, como decorrência da política adotada pela mesma de distribuição em massa de hidroxicloroquina.


1 – Prescrição de hidroxicloroquina sem o termo de consentimento do beneficiário, caso este venha a sofrer danos decorrentes dos efeitos colaterais do medicamento.


Conforme exposto acima, por se tratar de medicamento off label, o médico, ao prescrever a hidroxicloroquina no tratamento da covid, deve obter o termo de consentimento livre e esclarecido do beneficiário, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido devidamente assinado.


Mas não basta ao médico apenas colher a assinatura do paciente no referido termo; deve, antes disso, orientá-lo e informá-lo sobre os riscos, consequências e efeitos colaterais que possam ocorrer da ministração de hidroxicloroquina em tal circunstância, em observâncias às normas éticas do CFM e do Código de Defesa do Consumidor, que prevê expressamente o dever de informação (artigo 6º, III)[3].


O próprio Parecer CFM nº 4/2020 dispõe expressamente que a prescrição da hidroxicloroquina deve se dar “em decisão compartilhada com o paciente, sendo ele obrigado a relatar ao doente que não existe até o momento nenhum trabalho que comprove o benefício do uso da droga para o tratamento da COVID 19, explicando os efeitos colaterais possíveis”.


Previsto como o primeiro artigo do capítulo sobre direitos humanos do Código de Ética Médica, o consentimento do paciente possui dois pilares fundamentais: o direito à informação e a autonomia do paciente.


Dessa forma, o consentimento do paciente somente será válido se as informações e os esclarecimentos prestados pelo médico forem adequados, pois somente dessa forma o paciente poderá exercer com soberania o seu direito de autonomia.


A ausência de consentimento, ou aquele deficientemente prestado, traz a presunção de que o procedimento se realizou sem a concordância do paciente. E se este procedimento causar algum dano ao paciente, o médico, a operadora e o hospital credenciado poderão responder civilmente. Este dano não necessita ser oriundo de erro médico, podendo ser decorrência dos possíveis riscos inerentes a determinado procedimento, devendo-se verificar o nexo causal entra a omissão de informação/ausência de consentimento e o dano.


2 – Prescrição de hidroxicloroquina sem a observância das contraindicações e das comorbidades do paciente caso este venha a sofrer danos decorrentes de efeitos colaterais, mesmo com a obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.


Como é sabido, a hidroxicloroquina possui uma série de cuidados, advertências, contraindicações e interações medicamentosas que devem ser observadas pelo médico ao prescrevê-la.[4]


Ao prescrever a hidroxicloroquina, caso o médico não se atente a estas advertências, contraindicações e interações medicamentosas em detrimento de eventuais comorbidades do paciente que restrinjam a sua ministração, caso este sofra algum dano restará configurada a responsabilidade civil e o dever de indenizar, vez que se trata de erro médico.


É importante observar que neste caso o Termo de consentimento não serve como salvo-conduto de isenção de responsabilidade por erros médicos.


3 - Deixar de internar o paciente, prescrever o kit covid e mandá-lo de volta para casa.


Diante da política adotada pelas operadoras de evitar custos com os tratamentos dos beneficiários, não é difícil imaginar que essa situação possa ocorrer: o paciente chega ao hospital com covid, com quadro clínico sugestivo de internação, mas o médico assistente apenas prescreve o kit covid e o manda de volta para casa.


Passado algum tempo, os medicamentos do kit não surtem efeito, o paciente piora, volta ao hospital e é internado, muitas vezes em estado grave. Ora, se o quadro apresentado anteriormente pelo paciente demandava internação, constata-se a ocorrência de negligência do médico que apenas prescreveu o kit covid e não indicou a internação.


Nas três hipóteses elencadas acima a responsabilidade que recai sobre a operadora de plano de saúde e sobre os hospitais credenciados é a objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, a maior dificuldade que o beneficiário terá para ingressar com ação indenizatória será demonstrar a existência de nexo causal entre a prescrição da hidroxicloroquina e o dano sofrido, sendo necessária a análise de prontuários e documentação médica para tanto.


[1]A Prevent Senior é acusada de ter pressionado profissionais e pacientes a utilizar remédios do kit covid. A empresa estaria, segundo relato do senador Humberto Costa, promovendo ainda tratamentos experimentais sem o consentimento de pacientes. ‘Recebi aqui uma correspondência, que é cópia de um processo que está sendo movido por um grupo de profissionais médicos ligados à rede Prevent Sênior, em que formalizaram uma denúncia contra essa instituição, por conta da política de coerção que foi assumida por essa direção em termos de orientações aos profissionais médicos, para adotarem aquelas orientações do chamado tratamento precoce. Inclusive, aqueles que, em algum momento, se recusaram a implementar essas medidas foram demitidos’, disse Costa na CPI em 26 de agosto. (...) "Uma das coisas que o hospital orientava era que os pacientes e os seus familiares não tivessem conhecimento de que essa experiência estava sendo feita, que não tivessem conhecimento de que estavam sendo administrados esses medicamentos. A informação que se tem é que isso foi um acerto entre a direção do hospital e o governo federal, contra aquelas orientações que havia do Ministério da Saúde, no período do ministro Mandetta", disse Costa.” https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/09/22/diretor-da-prevent-senior-presta-depoimento-sob-pressao-apos-faltar-a-cpi.htm?cmpid=copiaecola

Comments


Whatsapp_02.png
bottom of page